O movimento da luta antimanicomial atrai muita simpatia e até ganhou um dia, 18 de maio, para celebração. Infelizmente, a verdade é que esse movimento tem muitos equívocos, para não dizer que é até contrário à promoção de atendimento de qualidade aos portadores de transtornos mentais no Brasil. É compreensível que parte da população, por desinformação, veja com bons olhos essa iniciativa formada por belas teorias e atitudes sensacionalistas. As cabeças por trás do evento, no entanto, deveriam pensar melhor em suas ações sob pena de tornarem-se responsáveis por impedir avanços nessa área.
Nesse sentido, é conveniente começar reavaliando a nomenclatura do movimento. Quando se fala em manicômio, não se exprime a realidade atual dos hospitais e tratamentos psiquiátricos. Essa palavra possui carga tão pejorativa que dificulta uma discussão equilibrada sobre a questão. Com razão, as pessoas têm preconceito sobre o que essas instituições significaram no passado.
A principal dificuldade da psiquiatria hoje não é falta de estrutura, de dinheiro ou de apoio da administração pública. O grande obstáculo é o estigma de que são vítimas pacientes, familiares e até os médicos. O problema é tão grande que seus efeitos não se resumem a constrangimentos pessoais. Essa idéia coletiva também motiva políticas públicas equivocadas.
Recentemente, o governo fechou grande parte dos leitos psiquiátricos em hospitais públicos. Dessa maneira, desalojou muitos pacientes que necessitavam da internação e, como resultado, sofreram retrocesso no tratamento. E isso foi uma decisão demagógica, apenas para consumo externo, sem nenhum amparo científico. De certo ponto de vista, trata-se de atitude até compreensível, já que enquanto a população continuar relacionando a internação de doentes mentais com privação de liberdade não vai faltar político fechando leitos e hospitais para ganhar aplausos da população desinformada.
Esse movimento será muito mais produtivo quando deixar de manipular as massas e passar a informar a sociedade. A principal verdade omitida à população é que existem pacientes que precisam ser internados, sim. Em determinados casos, esse é o único procedimento recomendado. Além disso, maus tratos ou métodos ultrapassados em hospitais psiquiátricos são condenados por toda a comunidade médica e pela psiquiatria atual. A internação, e todas as ações envolvidas, estão sustentadas por estudos científicos e são conduzidas por profissionais capacitados.
Infelizmente, no Brasil, a palavra antimanicômio soa para muitos como antitratamento psiquiátrico. Portanto, é preciso cuidado com a retórica de adesões fáceis. A principal arma da luta antimanicomial deve ser a informação de qualidade e não palavras de ordem. O movimento deveria deixar de ser antimanicômio e tornar-se pró Relatório sobre a saúde no mundo publicado pela Organização Mundial de Saúde, que no trecho referente a saúde mental recomenda que se exija, prioritariamente, o seguinte:
- Reconhecimento da saúde mental como componente da atenção primária de saúde;
- Investimento em hospitais psiquiátricos com melhor qualidade de atendimento de forma a incentivá-los a abrir residências terapêuticas e CAPs;
- Treinamento de atualização a médicos da atenção primária (pelo menos 70% de cobertura em 5 anos);
- Inclusão dos transtornos da saúde mental nos sistemas de informações básicas de saúde, além de instituir a vigilância de transtornos específicos na comunidade (por exemplo, depressão);
- Realização de estudos em contextos de atenção primária sobre prevalência, evolução, resultados e impacto dos transtornos mentais na comunidade.
E, por fim, colocar em prática projetos como os da Associação Brasileira de Psiquiatria, que trabalha junto ao Ministério da Saúde pleiteando a promoção de campanhas publicitárias de esclarecimento para combater o estigma, mobilizando os psiquiatras para a colaboração do ABP Comunidade - projeto que prevê levar informações claras sobre os principais transtornos mentais à população através da internet e ainda com palestras gratuitas em diversas regiões do País, participando ativamente de diversas organizações e esferas políticas relacionadas ao setor através das comissões de avaliação da reforma do modelo assistencial em saúde mental, junto ao Ministério da Saúde, comissão de ética, direitos humanos e exercício profissional, representantes junto ao Senad, Conad, CFM, AMB, ONU, Ministério da Educação, dentre outros.
É certo que propor soluções exige mais que apenas criticar ações, porém, os resultados são muito mais eficientes e duradouros.
autor: Josimar França (presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria)