O que é o amor? Essa é uma pergunta que vem intrigando a humanidade há séculos e, apesar de todo esse tempo, fazer amor continua sendo muito mais fácil que falar dele. Além de parecer impossível limitar a idéia de amor dentro dos limites de um conceito, corre-se o risco de se exceder no cientificismo sobre um tema que, desde sempre, nos familiarizamos em prosa e verso de forma muito mais sublime e agradável.
O amor aparece nas mais diversas áreas do pensamento humano, da poesia à imagem funcional cerebral, da mitologia à patologia, da razão para o prazer à motivação para o crime. Afirmações como “isso é amor”, ou seu contrário, “não, isso não pode ser amor” oscilam ao sabor das conveniências da situação. Mas cada um sabe exatamente como está sentindo seu amor, ou lamentando a falta dele, se regozijando ou sofrendo com ele, explicando que tipo de amor é o seu, reclamando reciprocidade, exigindo cumplicidade ou ocultando o amor proibido. Talvez a única certeza que podemos ter em relação ao amor é que sobre ele parece não termos nenhum controle.
Nietzsche, grande filósofo alemão do século XIX, escreveu que “a maior parte da filosofia foi inventada para acomodar nossos sentimentos às circunstâncias adversas, mas tanto as circunstâncias adversas como nossos pensamentos são efêmeros”, deduzindo, então, que pensamentos e circunstâncias passam, mas os sentimentos não. O amor é um desses sentimentos que devem ser tratados pela filosofia, principalmente porque ele parece transcender a realidade.
Acreditava, Nietzsche, que o amor chega quando se tenta desejar o bem em sua totalidade para algo. Dizia que quando amamos juntamos todas as melhores propriedades das coisas mais maravilhosas e perfeitas do mundo, e consideramos similares ao objeto amado. Com afirmações desse tipo, estapafúrdias, concluí-se que o sentimento do amor pode distorcer a representação da realidade, pode afastar a pessoa da realidade compartilhada pela maioria, tal como se tratasse de idéias supervalorizadas ou uma certa obsessão.
Sempre se distinguiram dois ou mais “tipos” de amor. Platão foi o primeiro a comentar sobre isso, em o "Banquete", definindo o “Amor Autêntico”, como aquele que liberta o indivíduo do sofrimento e conduz sua alma ao banquete divino, em distinção do "Amor Possessivo", o qual persegue o outro como um objeto a devorar, possuir e sufocar.
Muito tempo depois, esta conceituação foi retomada por
Immanuel Kant. Para Kant, somente o "amor-ação" é o verdadeiro amor altruísta e aceitável, uma vez que se manifesta com preocupação verdadeira e desinteressada pelo bem estar do outro, da pessoa amada. Em contra-partida, falava no “amor-paixão”, egoísta e impossível de se controlar, voltado aos interesses próprios, manifestando o desatino e desprezo pelo outro. Na idéia de Kant, o amor paixão tende a satisfazer muito mais quem ama do que quem é amado (Clement, 1997).
Kant separava o “amor-afeto” e o “amor-paixão”, enaltecendo um pouco mais o primeiro, sugestivo de amor romântico, do que o segundo. Além desses amores dos amantes, para Kant existe ainda o “amor-virtude”. O amor-virtude seria mais ligado ao sentimento de fraternidade, ao preceito de “amar o próximo como a si mesmo”. Ao menos didaticamente Kant nos parece mais interessante.
Alguns autores mais recentes acham que a atenção, carinho, zelo e cuidados em relação à pessoa amada devem ser esperados em qualquer relacionamento amoroso saudável e, por saudável, devemos entender o relacionamento que jamais proporcionará sofrimento, seja da pessoa que ama seja de quem é amado (Simon, 1982 e Fisher, 1990).
Alguns dizem que o amor é uma forte inclinação da alma para um objeto ou pessoa. Mas essa afirmação foge do critério científico, já que nesse campo nem se sabe com certeza se a alma existe, se tem inclinações, se faz escolhas...
Aliás, pode parecer redundante e pouco útil, tentar definir esse sentimento universalmente experimentado e sabido pelos seres humanos ao longo de toda sua história. Também soa estranho acreditar que o amor, lindo, engrandecedor, poético, lírico e prazeroso, cantado em verso e prosa, possa ser fonte de sofrimento. Há casos onde esse sentimento torna-se completamente obsessivo, tirano e opressivo, fanático e egocêntrico, produzindo sofrimento.
Quem sofre ou faz sofrer, contudo, não é o amor em si, mas a pessoa que desloca para o sentimento amoroso suas alterações psíquicas, seja dos traços de sua personalidade, seja de seus conflitos e complexos interiores. Não são raras as pessoas que, contrariando o bom senso e a crítica razoável, deixam tudo para viver um grande amor, aumentando perigosamente a possibilidade de serem infelizes, ainda que amando.
Aliás, parece ser tênue a separação entre a paixão e a perda da razão (desrazão), uma vez que a pessoa apaixonada costuma perder alguma porção de sua crítica e da capacidade em avaliar verdadeiramente a realidade. Quando deixa de haver controle no amor, quando se compromete a liberdade de conduta ou quando esse sentimento passa a ser absoluto e em detrimento de outros interesses e atitudes antes valorizadas, podemos estar diante de um quadro chamado Amor Patológico (Norwood, 1985). Nessa patologia do amor a obsessão em pensar seguidamente na pessoa amada faz sofrer muito, principalmente diante de tudo aquilo que dificulte, impeça ou atrapalhe a vivência de seu amor.
Segundo algumas hipóteses, é bastante provável que esse quadro de Amor Patológico possa estar associado a outros transtornos psiquiátricos, tais como quadros depressivos e ansiosos (Wang, 1995). Pensa-se também que o Amor Patológico possa ocorrer isoladamente em personalidade mais propensas e vulneráveis (Gjerde, 2004), ou ainda em pessoas com extrema baixa auto-estima, (Bogerts, 2005). Em casos mais expressivos o Amor Patológico vem acompanhado de sentimentos invasivos de rejeição, de abandono e de raiva (Donnellan, 2005).
Em psiquiatria os eventos não são binários, ou seja, não são certos ou errados, feios ou bonitos, verdadeiros ou falsos. Aqui as situações comportam graduações entre extremos, de forma que podemos ter o amor com prazer, com menos prazer, com incômodo, com um pouco de sofrimento, com muito sofrimento e até o chamado Amor Patológico.
Sobre a possibilidade de o amor ser uma das mais claras manifestações de nosso egoísmo, ou egocentrismo, Nietsche dizia que todos acreditamos querer a pessoa amada e que ao acreditar que a queremos também acreditamos que esta é a solução para todas as nossas necessidades, ou para todas as necessidades de nossos sentimentos.
Essa hipótese pode ser mais bem exemplificada quando se diz que “te amo porque você é uma maravilha (e, evidentemente, quero regalar-me com essa maravilha)”. Obviamente, em seguida existe a colocação que “te necessito, eu te quero”. Ou, conforme podem dizer as pessoas mais apaixonadas; “não posso mais viver sem você”. Por enquanto tudo isso diz respeito ao bem estar da pessoa que ama e não, necesariamente, da pessoa amada.
Como se vê, nas questões do amor, como em tantas outras, o ponto de referência continua sendo a própria pessoa, seu bem estar emocional, sua satisfação em estar perto da pessoa amada, o conforto afetivo de se saber amada.
Organicamente ou fisiologicamente, dois sistemas neuronais parecem implicados na escolha e determinação da preferência por um parceiro específico. O sistema mediado pela dopamina, o dopaminérgico córtico-estriatal, por um lado, e o sistema de neuropeptídeos transmissores por outro.
Robinson estudou as projeções dopaminérgicas das estruturas corticais para o núcleo accumbens, na porção anterior do corpo estriado, considerando-os elementos fundamentais para preservação da espécie e do indivíduo. Além de um papel relevante em comportamentos motivados e relacionados ao apetite, esse sistema dopaminérgico também está implicado na capacidade de vinculação social (Robinson, 1993).